Raimundo

 Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh...


Raimundo...



Se eu fosse mais mundo,

seria justo

odiar o Amor

mais profundo? 


Por mais que fosse profano,

era, ainda, humano.

E, se fosse ainda mais insano,

me diga, Raimundo:

O que faria eu, nauseabundo,

Com todo o místico engano?


E aí,

Bigodudo?

O que eu faço com esses olhos 

que não perguntam nada?

Faço, ainda, uma rima? 

Procuro, ainda, alguma solução?


 Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh...

Raimundo...

O que se esconde nas tuas preces?

Onde foram parar as tuas rimas?

As tuas oito faces, 

e as tuas pernas?


Esqueci o fio da meada.

Onde é que ela estava? 

Previu?

aquele gosto precoce,

um óbice,

da razão mais vil?

Deve ter voltado, 

espero,

À puta que lhe pariu.


 Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh...

Raimundo...

Se eu fosse mais mundo,

seria justo

odiar o Amor

de modo mais profundo?

Foda-se,

ou,

que o valha...


Naquele fio de navalha, 

cega, 

que não acutila nada,

chora, justificando,

cortando o gerúndio

do teu pulmão,

tosquiando, 

a bosta

do meu coração.


Eu não devia te dizer...

Mas esse beck...


E, esse conhaque,

botam mais desejo

bem no fundo do rabo.


E, virado pra Lua, o gracejo.

E, esse maldito Diabo,

no comovido toque,

Não quer rima,

ou beijo.


E o que resta

é só,

além de lágrima,

sem festa, 

o muleque:

Aquele furor ilusório,

fulgurante, 

do

pechisbeque.


 Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh...

Raimundo...

Me salva....


Me salva, Raimundo,

Me salva.



Desejo

Que o grandioso [que se foda] seja o guia




E que se foda-se


Porra


E que se foda



Porra

Ávida

 N'algum lugar do tempo algum anjo profetizava: Cuida! Cuida que a vida é ávida pelo retorno da própria vida na mesma vida em que tu vives. 

Fora essa uma época em que aprendia a ler e falar, mas não ouvir. 

Essa insanidade me perseguiu nos dias vindouros. Andava na rua e conheci alguém que bebia até gasolina, como eu. Tinha vômito na roupa, lágrimas nos olhos, lembranças solitárias, experiência sobre a vida, as coisas em geral e de coração vazio. Tinha vontade própria, conseguia andar por si, possuía a si e era ávida por viver. Não aceitava o lugar que a vida havia lhe imposto. Queria viver, queria amor, queria tanto.... O acolhimento oferecido fora incondicional até ficar de pé.

Mas a vida lhe tornou mais forte depois que partiu. Depois de adquirir tanto, mais do que imaginava.

Hoje, me encontro no fio da calçada comigo mesmo, sem esperança. Com o tempo, depois de aprender a ver, depois de aprender a ler, depois de aprender a falar, depois de tudo, ouvi. Mas só no fim, depois de tudo.

Hoje, e só hoje, percebi. A vida, na qual tentei ter paciência e ter controle sobre o que sentia, se fez implacável e retornou. Mas seu regresso se fez ao inverso. Colocou aquele que estava caído em pé e aquele que era a pé, no chão... Conversando com os ratos, comendo as migalhas dos pombos, refém do retorno, golfado por aquela mesma vida, ávida por regresso, no lugar do outro.

Assumi seu lugar e vi a vida se repetir.

Hoje, e só hoje, sôfrego e derrubado, sem admissão de rastejo,  gatinho naquela mesma calçada, arredio, como todos que estão no mesmo lugar, em lamento. Agora percebo, sempre tem alguém lá. Se a vida derruba quem fica em pé, ela também levanta quem anda de quatro. Se existe esperança? impossível determinar.

À vida, ao lamento, às inebriantes sensações, à experiência, ao amor, ao vento e ao vinho: Um estilhaçado corpo humano ora, por hora, pela alienação fiduciária do bem querer.

O homem na estrada

O homem na estrada não vê a si mesmo. Vê seu cavalo, vê seu caminho e não vê mais nada.

O homem em seu cavalo direciona seu olhar para a estrada e a estrada direciona seu caminho.

O homem na estrada vê a estrada, mas não vê o seu caminho.

Ele aprende a olhar a estrada e vê do que ela é feita. Vê no oceano amarelo partículas ínfimas que seu cavalo atropela. O homem na estrada não aprende que seu caminhar suja a si mesmo. Na estrada se pergunta como aquele pó tornou-se tão duro e como aquela dureza faz seu caminho. Mas não entende, ainda, porque o pó é leve, se a estrada é dura.

O homem segue, montado em seu cavalo, na estrada. Ele vê a estrada e não vê mais nada, nem mesmo seu caminho. O homem anda certo de sua ida sem nunca questionar sua volta. O homem na estrada, que não vê a si mesmo, pensa em como é reta aquela estrada sem saber onde vai acabar. Montado em seu cavalo já não vê só reta. Vê também a forma de seu cavalo que segue certo, na dureza da estrada, indo reto, onde quer que vá. O homem na estrada, montado em seu cavalo, ignorante, só vê a reta estrada sem nunca ver seu horizonte. O homem na estrada já sente não ter culpa sobre seu olhar.

O seu olhar é reto como a estrada e a estrada em linha reta, lhe dá mais retas para olhar. Nem cavalo nem homem tem mais disposição em enxergar. As linhas retas já são a sua estrada. O homem se mantém em seu olhar e em sua direção. O seu cavalo continua na estrada, ignorante de algum horizonte, e segue troteando o pó.

A estrada fez o homem dormir em seu cavalo que seguia na estrada. Quando acorda já não sabe mais o que é sonho ou realidade. Sonhara com uma estrada ignorante de si mesma e um cavalo solitário lhe atravessava. Já cansado de sua inexistência, empenha-se em ouvir a estrada. Mas já não há mais sons para ouvir. 

A estrada sedou a estrada, sedou o som da estrada e sedou o pó na estrada. Mas o homem em seu cavalo permanece na estrada sem ver seu caminhar. O pó, a estrada, o homem em seu cavalo e o horizonte vivem na mesma hora, porém, sem nunca se encontrar. Não há busca na estrada, tão pouco resposta. A estrada tem apenas linhas retas e desconhecimento. E o homem segue em frente, porque outro lado não há. Seu olhar e seu cavalo nunca saberão se já não houveram outros lados. Menos ainda, se a sua própria estrada já não é o próprio lado.



(10/2017)

Desértico, árido e profundo

 São oito horas da noite e o sol ainda não despencou do céu. Continua com seu trabalho infinito na órbita da terra, enquanto, de cabeça baixa, aquela criatura vê no canto da folha amarelada e carcomida a inscrição colorida do seu número de série. Ainda não anoiteceu, mas está quase. Ainda não comeu, mas já está quase.


Um berro seguido de um nervoso abrir de portas é o sinal de sair de casa e ir para a escola. Acordar todos os dias. Acordar e nascer de novo. Todos os malditos dias acordando e trocando de roupa; todos os malditos dias acordando e limpando aquela ramela amarela dos olhos, pois houve choro nas noites anteriores. E não sabemos quantas chances mais serão precisas até que ramelas amarelas sejam descontadas nas limpas orelhas de um travesseiro encardido que já não suporta mais o seu trabalho de todas as noites. Cada dia uma ramela diferente.


Ele vai à escola e quando volta já não é mais o mesmo. Percebe pelo reflexo da chave que no seu rosto há uma penumbra negra. Seu movimento é apressado e a sua expressão é severa. Se questiona porque na vida somos igual peças de xadrez.


Ele já não limpa mais as ramelas porque simplesmente desistiu de chorar.


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Fim da transmissão.
(03/2017)

Tem

 ... golfinhos no espaço :/