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O beco


San Francisco, CA – 1966.
Charlie. 8 anos. Bermuda pouco acima dos joelhos. Camisa listrada marrom. Punhos cerrados. O esquerdo na altura do peito próximo ao queixo, e o direito à frente, para marcar território. Há pouco havia jogado seu boné contra o chão.
Bob. 9 anos. Meias cinza, pouco abaixo do joelho. Suspensório e camisa listrada vermelha. Punhos serrados e cara de mau.
Charlie caminha lentamente em sentindo horário. De costas para a Mason Street e de frente para os fundos do “Fior D’Itália”. Sua baixa estatura e seu porte físico não estimulam muita confiança. Isabelle aguarda o resultado.
Bob Flecher era conhecido por liderar a gangue dos Garotos Gordos. Este sim era digno de aposta. O sorriso irônico no canto da boca incentivava os gritos da torcida.
“Os Gordos” como eram reconhecidos. Não que fossem gordos, mas eram eles que “controlavam” os lanches dos rapazes nos intervalos da escola. Havia também a gangue dos Pit-Stop Boys (ou P-SB). Uma brincadeira feita com os pit-stops dos garotos que iam ao banheiro nos intervalos, e que para ter acesso, precisavam pagar o pedágio. Os “P-SB” eram rivais dos “Striker’s”. Um bando de pequenos marginais que roubavam a grana dos rapazes. Sempre mudavam seus líderes. E um líder dos Striker’s nunca poderia fugir de um desafio. O problema é que muitos garotos disputavam a liderança do grupo. E por fim, os “Striker’s” eram os rivais dos “Gordos”.
Bob, quase nunca entrava em uma briga. Era um garoto esperto e tirava boas notas. Seu porte impunha respeito, e ele usava-o com sabedoria. Tanto que, quando foi eleito líder, nunca mais saiu. Afinal, boas notas, um titulo de respeito e imposição eram sinais de poder em qualquer lugar.
Já Charlie não cheirava. Tão pouco fedia. Mas se metia em muitos problemas... Muitos... Muitos... Muitos problemas, por ser namorado de Isabelle. Não há nada de surpresa nisso. As garotas só trazem problemas afinal. Uma suspensão aqui, uma acusação de furto ali, um castigo acolá... Quando não, um nariz quebrado. Não que elas fossem as responsáveis por tudo, mas quando se tem uma namorada, todos fazem de tudo para ver você se ferrar. Incluindo as amigas mais tímidas, que são capazes, inclusive, de tentar te beijar quando a sua garota não estiver olhando. É sinistro. Porém, não da para reclamar de tudo. Uma namorada é sinal de respeito também. Seus pais se gabam para os vizinhos e para os familiares. As tias da cantina lhe dão uma porção a mais... E por aí afora.
Poucas coisas mais divertidas haviam do que uma boa briga. Rolavam boas apostas. E quem conseguisse acompanhar a maioria delas, saberia bem em quem apostar. Apesar dos azarões que, hora ou outra, apareciam para estragar as estatísticas. E esta, sim senhor, foi uma boa briga.
Bob havia roubado o lanche de Isabelle, que reclamou. Sem pensar nas consequências (para Charlie), falou que se ele não devolvesse, chamaria seu NA-MO-RA-DO. Bob sorriu. Mas quando uma garota de 8 anos diz alguma coisa, é lei. Ainda que isso não mude muito até os 90 anos, continua sendo lei. E conforme prometido, Isabelle notificou seu amado do ocorrido e o intimou a devolver a honra que lhe haviam roubado. Charlie não entendia, naquela época, que o lanche roubado de uma garota era sua dignidade posta no lixo. E, assim, continuou sem entender pelo resto de sua vida. Mas não havia escolha: Ou desafiava Bob, ou perdia sua insígnia. Na visão de Isabelle, claro. Pois para Charlie, ele poderia não fazer nada e seguir sua vida normalmente ou fazer nada também que tudo continuaria no seu devido lugar. Sempre havia uma saída. Mas ele nem precisou se preocupar em escolher. Bob o segurou pelo colarinho e disse apenas: “Amanhã. Três horas. Atrás do restaurante italiano”. Já há algum tempo, Bob se sentia entediado com aquela vida fácil e sem emoção de roubar lanches, por isso precisava de algum divertimento de vez em quando. Normalmente, ele não faria o que fez. Era forte, líder dos Gordos, e respeitado. Não precisava fazer nada. Já Charlie... ... Bom... ... ... Coitado do Charlie.
Caminhando no sentido horário, Bob foi surpreendido com a atitude do adversário. Esquivou-se do soco, que voou solitário no ar. Ele sem dúvida conhecia seu segundo provérbio preferido: “Quem bate primeiro, ganha”.  Logo após o: “Bata antes, pergunte depois”. Culpa das noites em que assistia a filmes de ação escondido de seus pais.
Porém, nada aliava a tensão de Charlie. Pelo menos até levar o primeiro soco. Ou o segundo. Ou o terceiro... Enfim, chances de alivio de tensão não faltaram. Apesar de alguns socos bloqueados, Charlie acabou por absorver a grande maioria deles. Bob se divertia. A plateia adorava o espetáculo. Giulio, o garçom, também se divertia enquanto fumava para passar o tempo, antes de voltar a lavar a louça. Por fim, com o nariz já um tanto torto, um vermelhão no olho e um pouco de sangue no canto da boca, Charlie, tonto, quedou. Isabelle, que era a terceira garota mais linda da escola, (segundo pesquisa dos “Garotos Selvagens”, gangue aventureira que desbravava a cidade com suas bicicletas) deu as costas, furando o círculo que rodeava a briga e foi embora para casa.
Charlie então, se tornou o garoto mais poderoso da escola.
Naquela tarde, ao cair, Charlie cerrou seus dentes com raiva e levantou-se rispidamente. Dando tempo de Bob apenas iniciar o sorriso sarcástico enquanto ainda estava em pé. Foi açoitado com cinco socos consecutivos na cara e terminou nocauteado, e meio desacordado. Seu sorriso ficou torto no chão.
Naquele mesmo dia Charlie foi à casa de Isabelle para informar que estava tudo terminado. Pela primeira vez alguém conseguiu fazer Isabelle não dar a última palavra. Nas outras oportunidades, ela jogaria algum objeto na cara dos rapazes e saía porta adentro fingindo um choro forçado dizendo que estava tudo acabado. Muda, contudo, observou Charlie ir embora, iniciar o namoro com a garota número 1 do colégio, se tornar o líder dos Gordos, dos P-SB, dos Striker’s, dos Gárgulas, (que surgiram tempo depois) e, pouco a pouco, se tornar um cafajeste ordinário.
Anos mais tarde, Bob se formou na faculdade.
Charlie foi preso.

In media Res


Porto Alegre. Vigésimo primeiro dia do mês de Novembro. 1985. 15 horas e 27 minutos.  32 Graus.

                A cidade esta muito agitada, mas age como se nada estivesse acontecendo. Os trilhos do trem fazem as estruturas edifico tremer. O cheiro de combustível queimando no ar pelos automóveis e fabricas, é levado para dentro do apartamento com a força do vento que atravessa as cortinas e invade a sala como um intruso. A sala não é confortável. O ventilador esta quebrado. A Geladeira também (não há nada lá). Muitas pessoas no local. Calor.

Porto Alegre. Vigésimo dia do mês de Novembro. 1985. 11 horas e 23 minutos. 26 Graus.

                Fernanda como sempre, após almoçar naquele mesmo restaurante, que é localizado abaixo do seu prédio e na mesma hora como de costume. variando apenas no cardápio, voltara sua atenção ao noticiário da TV para saber a previsão do tempo. Já ele, não se importa com as informações que passam. Observa Fernanda com reprovação por não aceitar que se preocupe tanto com a previsão do tempo. Sua verdadeira indignação é por nunca concordar, no seu ponto de vista, que Fernanda viva, infalivelmente, controlando de tudo que é relativo àquilo que, ironicamente, não se pode controlar. O tempo.

Porto Alegre. Vigésimo dia do mês de Novembro. 1985. 21 horas e 12 minutos. 16 Graus. Atrito.

                A discussão acontece após Fernanda reclamar que ele é desleixado e perde muito tempo à toa. Falam em voz alta. Ele já esta cansado das mesmas ofensas e dessa vez resolve desabafar. Ela nunca havia percebido que estava em uma cela mental que cronometrava cada ato de sua vida. Inflexível, sem perda de tempo, começo e fim pré-estabelecidos por um tempo exato. Acabou de ver em si que não estava fazendo bem para ela e não tinha importância nenhuma saber quanto tempo levava para tomar banho, se haveria neblina ou cerração, cinco minutos para escovar os dentes, três minutos para os sapatos, doze para o cabelo ou dez segundos para acordar. Cada um deu seu argumento. Os vizinhos escutavam atentos com o copo na parede.  Ele jura que faria algo com relação a isso. Ela vai para o quarto dizendo estar sem tempo para discussão. No outro dia. Todos fazem as mesmas coisas. Ou não.

Porto Alegre. Vigésimo primeiro dia do mês de Novembro. 1985. 15 horas e 03 minutos. 30 Graus.

                O telefone do escritório de contabilidade toca. Fernanda está. A polícia pede para que ela compareça no seu apartamento. Um cadáver precisa da sua identificação. Em pânico, pegou um táxi, opala, duas portas. A placa FTA8493, cor cáqui. A quarenta minutos do local.

Porto Alegre. Dia. Mês. Ano. Hora. 32 Graus.

A luz do sul reveza com os flashes das câmeras a iluminação da sala. O cheiro do combustível agora invade o apartamento e colide nos uniformes suados pelo calor. Que por sua vez entoa o aroma do sangue na madeira. Ao canto, o sofá velho e ao lado a arma do crime. Ela chegou e ficou sem ar. O coração pulsava na altura da garganta quando viu ele e o que acabara de fazer com um martelo. Cumpriu com sua promessa. O relógio estava esquartejado e sem vida. Foi preso em flagrante matando tempo.

Tem

 ... golfinhos no espaço :/