Criando problemas semânticos.


¾      Professor, temos um problema
¾      Qual problema?
¾      O problema é: Temos um problema!
¾     Puxa! Não diga uma coisa dessas! Como aconteceu?
¾      Estávamos supervisionando a falta de problemas e quando nos demos conta... Catapimba!
¾     Meu deus! E o que faremos?
¾     Já estamos resolvendo o problema
¾     Mas, nosso sistema não havia sido criado para não dar problemas?
¾     Sim! Quero dizer, não...
¾     Como assim?
¾     Havíamos criado o sistema contra problemas que dessem. Mas não contra problemas que pudessem dar.
¾     Que problemão...
¾     Calma. Fique tranquilo. Os probleminhas e os problemões são protegidos.
¾     Que bom
¾     Um minuto, estão me mandando uma mensagem...
¾     À vontade, não quero gerar problemas.

¾     Ohhh, sim... Entendo. Entendo. Certo, avisarei o professor... Bom, acabam de me informar que o problema foi resolvido.
¾     Magnífico! Podemos continuar com a pesquisa
¾     Sim
¾     No final das contas até que foi engraçado, não acha?
¾     O senhor acha professor?
¾     Bom, se tudo analisarmos bem, o ocorrido não passou de um erro de interpretação do sistema. Pois veja... O problema aconteceu por um dado problema. E não tínhamos proteção contra problemas gerados. É engraçado. No fim das contas, tudo não passa de um erro de semântica.
¾     Um minuto professor... Estão me informando algo, e parece que houve novo problema
¾     Fique a vontade, não quero criar novos problemas.
¾     Não diga uma coisa dessas, professor!!!

Vou te escrever um Poema

Vou te escrever um poema
Tocante
Marcante
Quente

Falarei da minha tara
Meu vicio.
Tua pele
Teu sabor

Vou te fazer ficar louca. Por mim.
Por me ter
Me ter
Me ter

Tu sempre vai ler meu poema querendo
Minha mágica
Minha essência
Minha força

Vou estar no teu pensamento
Abrindo tuas pernas
Teu zíper.
Tua... poesia.

Meu poema vai te deixar sem ar
Sem métrica!
Sem rima!

SEM VERGONHA.
De nada...

Serás abusada!
Sugando meu poema todo
Pra dentro de ti

Vai tirar minha camisa...
De força.
O cogumelo que traz
Alucinação.

Ficarás resoluta.
Vou te chamar de puta!
E na minha cara
Acertarás o tapa convicto.

Topo. Topo tudo contigo.
Topo te levar à lua
Topo te embebedar
E ficar do teu lado

Segurando tua mão no frio
Agarrando forte o teu cabelo
Provando do teu ódio
E provando o teu veneno.

Vou te escrever um poema.

Vou mesmo, te escrever um poema.

O beco


San Francisco, CA – 1966.
Charlie. 8 anos. Bermuda pouco acima dos joelhos. Camisa listrada marrom. Punhos cerrados. O esquerdo na altura do peito próximo ao queixo, e o direito à frente, para marcar território. Há pouco havia jogado seu boné contra o chão.
Bob. 9 anos. Meias cinza, pouco abaixo do joelho. Suspensório e camisa listrada vermelha. Punhos serrados e cara de mau.
Charlie caminha lentamente em sentindo horário. De costas para a Mason Street e de frente para os fundos do “Fior D’Itália”. Sua baixa estatura e seu porte físico não estimulam muita confiança. Isabelle aguarda o resultado.
Bob Flecher era conhecido por liderar a gangue dos Garotos Gordos. Este sim era digno de aposta. O sorriso irônico no canto da boca incentivava os gritos da torcida.
“Os Gordos” como eram reconhecidos. Não que fossem gordos, mas eram eles que “controlavam” os lanches dos rapazes nos intervalos da escola. Havia também a gangue dos Pit-Stop Boys (ou P-SB). Uma brincadeira feita com os pit-stops dos garotos que iam ao banheiro nos intervalos, e que para ter acesso, precisavam pagar o pedágio. Os “P-SB” eram rivais dos “Striker’s”. Um bando de pequenos marginais que roubavam a grana dos rapazes. Sempre mudavam seus líderes. E um líder dos Striker’s nunca poderia fugir de um desafio. O problema é que muitos garotos disputavam a liderança do grupo. E por fim, os “Striker’s” eram os rivais dos “Gordos”.
Bob, quase nunca entrava em uma briga. Era um garoto esperto e tirava boas notas. Seu porte impunha respeito, e ele usava-o com sabedoria. Tanto que, quando foi eleito líder, nunca mais saiu. Afinal, boas notas, um titulo de respeito e imposição eram sinais de poder em qualquer lugar.
Já Charlie não cheirava. Tão pouco fedia. Mas se metia em muitos problemas... Muitos... Muitos... Muitos problemas, por ser namorado de Isabelle. Não há nada de surpresa nisso. As garotas só trazem problemas afinal. Uma suspensão aqui, uma acusação de furto ali, um castigo acolá... Quando não, um nariz quebrado. Não que elas fossem as responsáveis por tudo, mas quando se tem uma namorada, todos fazem de tudo para ver você se ferrar. Incluindo as amigas mais tímidas, que são capazes, inclusive, de tentar te beijar quando a sua garota não estiver olhando. É sinistro. Porém, não da para reclamar de tudo. Uma namorada é sinal de respeito também. Seus pais se gabam para os vizinhos e para os familiares. As tias da cantina lhe dão uma porção a mais... E por aí afora.
Poucas coisas mais divertidas haviam do que uma boa briga. Rolavam boas apostas. E quem conseguisse acompanhar a maioria delas, saberia bem em quem apostar. Apesar dos azarões que, hora ou outra, apareciam para estragar as estatísticas. E esta, sim senhor, foi uma boa briga.
Bob havia roubado o lanche de Isabelle, que reclamou. Sem pensar nas consequências (para Charlie), falou que se ele não devolvesse, chamaria seu NA-MO-RA-DO. Bob sorriu. Mas quando uma garota de 8 anos diz alguma coisa, é lei. Ainda que isso não mude muito até os 90 anos, continua sendo lei. E conforme prometido, Isabelle notificou seu amado do ocorrido e o intimou a devolver a honra que lhe haviam roubado. Charlie não entendia, naquela época, que o lanche roubado de uma garota era sua dignidade posta no lixo. E, assim, continuou sem entender pelo resto de sua vida. Mas não havia escolha: Ou desafiava Bob, ou perdia sua insígnia. Na visão de Isabelle, claro. Pois para Charlie, ele poderia não fazer nada e seguir sua vida normalmente ou fazer nada também que tudo continuaria no seu devido lugar. Sempre havia uma saída. Mas ele nem precisou se preocupar em escolher. Bob o segurou pelo colarinho e disse apenas: “Amanhã. Três horas. Atrás do restaurante italiano”. Já há algum tempo, Bob se sentia entediado com aquela vida fácil e sem emoção de roubar lanches, por isso precisava de algum divertimento de vez em quando. Normalmente, ele não faria o que fez. Era forte, líder dos Gordos, e respeitado. Não precisava fazer nada. Já Charlie... ... Bom... ... ... Coitado do Charlie.
Caminhando no sentido horário, Bob foi surpreendido com a atitude do adversário. Esquivou-se do soco, que voou solitário no ar. Ele sem dúvida conhecia seu segundo provérbio preferido: “Quem bate primeiro, ganha”.  Logo após o: “Bata antes, pergunte depois”. Culpa das noites em que assistia a filmes de ação escondido de seus pais.
Porém, nada aliava a tensão de Charlie. Pelo menos até levar o primeiro soco. Ou o segundo. Ou o terceiro... Enfim, chances de alivio de tensão não faltaram. Apesar de alguns socos bloqueados, Charlie acabou por absorver a grande maioria deles. Bob se divertia. A plateia adorava o espetáculo. Giulio, o garçom, também se divertia enquanto fumava para passar o tempo, antes de voltar a lavar a louça. Por fim, com o nariz já um tanto torto, um vermelhão no olho e um pouco de sangue no canto da boca, Charlie, tonto, quedou. Isabelle, que era a terceira garota mais linda da escola, (segundo pesquisa dos “Garotos Selvagens”, gangue aventureira que desbravava a cidade com suas bicicletas) deu as costas, furando o círculo que rodeava a briga e foi embora para casa.
Charlie então, se tornou o garoto mais poderoso da escola.
Naquela tarde, ao cair, Charlie cerrou seus dentes com raiva e levantou-se rispidamente. Dando tempo de Bob apenas iniciar o sorriso sarcástico enquanto ainda estava em pé. Foi açoitado com cinco socos consecutivos na cara e terminou nocauteado, e meio desacordado. Seu sorriso ficou torto no chão.
Naquele mesmo dia Charlie foi à casa de Isabelle para informar que estava tudo terminado. Pela primeira vez alguém conseguiu fazer Isabelle não dar a última palavra. Nas outras oportunidades, ela jogaria algum objeto na cara dos rapazes e saía porta adentro fingindo um choro forçado dizendo que estava tudo acabado. Muda, contudo, observou Charlie ir embora, iniciar o namoro com a garota número 1 do colégio, se tornar o líder dos Gordos, dos P-SB, dos Striker’s, dos Gárgulas, (que surgiram tempo depois) e, pouco a pouco, se tornar um cafajeste ordinário.
Anos mais tarde, Bob se formou na faculdade.
Charlie foi preso.

O flerte

O Flerte.

Me diga, o que aconteceria se eu dissesse que vou flertar, nesse instante, com você?
Você aceitaria o meu flerte?
E além disso, dissesse também que você já foi flertado por mim?
Você aceitaria o meu flerte?

Escute essa história do que quero debater: o estrangeiro político. Este é um ser que tem ganas pelo governo, apesar da sua própria falta de habilidade para manuseá-lo. Das sombras são arquitetados os seus planos, desígnios e determinações. Sem nunca propor, pois, quem propõe age; e quem age se expõe. O tempo gasto em debate, para que a compreensão do outro seja mais acessível e possível, é visto como uma falha ética e moral. Ou na pior das situações, uma falha política.

O estrangeiro político aguarda o momento para a tomada do poder; Uma aporia faz-se necessária. Não é difícil encontrar na história as investidas para tentar superar duas ideias contrárias, para o convívio humano ser possível. Uma diligência prestada, muitas vezes, nas vozes de quem busca se fechar dentro de si mesmo. A tentativa de dizer qual é o verdadeiro: a mente ou a alma?; A razão ou a emoção?; Particular ou essencial?; Bem ou Mal?; Matéria ou espírito?; o ovo ou a galinha?; O Grêmio ou o Inter?; etc... 
não surge como um objeto de sedução para nós, humanos. Esse exercício intelectual de busca por respostas não pode se perder na busca por qualquer resposta que dê alívio imediato. A solução dessas aporias não surge das mãos de algum Messias. Elas só aparecem porque, volta e meia, tem alguém que está cultivando o medo. E não pode ser alguém que esteja na luz... sendo visto e vigiado por todos. Ao contrário, é alguém que a todos controla, e na escuridão aprisiona.

O estrangeiro político cria o medo e dele se alimenta. Faz com que as coisas cheguem ao clímax das tenções, não deixando a ninguém mais, nada mais nada menos, do que duas opções apenas. Como sempre foi, como sempre é. Dado o radicalismo, e a impossibilidade de governar em qualquer um dos lados, aquele que dormia nas sombras aparece e profetiza: "o problema é a política e os políticos! tomemos nós, nas nossas mãos o poder, com fogo". E o ser profano se apresenta como alguém de fora, que não faz parte do cenário político. Que não usa dos dispositivos políticos. Que não está corrompido com a política, com o debate. Que está compromissado com um modo de simplificação das necessidades da população. Por ser um estrangeiro à política, autoriza a si mesmo, a falar do modo que lhe cabe ser mais adequado, transbordando das palavras para o modo de tratamento com as outras pessoas. Das quais, aprisionadas em sua caverna, sentem-se  agraciados pela benção da ordem daquele que diz a verdade. Um ser íntegro e sem deméritos públicos nenhum.

Temos a nossa frente um alguém que se diz alheio a tudo e a todos, portanto, o mais claro dos claros. O sentimento de reconforto sentido por uma mente agoniada, pelo tormento nas decisões daquilo que nos torna essencialmente humanos, se regojiza pelas atendidas preces feitas à outras entidades estrangeiras, inclusive, do sistema político humano; é compreensível. Não falaríamos mais de ignorância, mas sim de outra forma de desconhecimento, falaríamos de medo. Aquele, causado das sombras, por alguém.

O estrangeiro político surge de repente e diz que tem as armas necessárias para o governo: Não ser político. Assim foi. Assim tem sido. Permitir que a população de baixa renda pudesse voar de avião não configura um governo estrangeiro aos questionamentos da experiência humana, ao contrário, abre o debate.

A face mais triste que deixa o estrangeiro político é a ideia de governar de fora da política mas por meios políticos. Ações políticas. Discursos políticos. É a face na qual a lei permite a formação de novos exterminadores. Não mais os humanos com necessidades psicossociais, marginalizados historicamente, mas sim, os humanos que sempre buscaram homogeneizar os outros seres humanos. Com uma cor de pele verdadeira; um sexo verdadeiro; uma conta bancária que demonstre o valor do caráter "verdadeiro" de cada qual.

Mas, calme. Não passamos por nada mais do que havia me proposto. Não é mais um caso de concordância, ou não. Como disse no início, esse foi apenas um flerte.

A menina


A menina foi acusada de matar sua prima e ter relações, antes do casamento, com seu namorado.
Naquela árida cidade o veredicto já estava decidido pelo juiz e seus algozes advogados antes mesmo de começar. Um por sua função de decidir o que é certo e o que é errado, já o outro, que seria o advogado de defesa preferiu julgá-la por devoção ao seu pai (o próprio juiz). As pessoas daquela época foram castigadas pelo calor. Mas as mulheres sofriam muito mais. Poucas partes da pele delas poderiam ficar de fora, do contrario, eram julgadas como animais. As vestimentas destes eram simples mesmo.  Sandálias, sapatos, tecidos finos pouco coloridos e tudo mais. Foi lá onde tudo aconteceu.
Uma mulher que se atrevesse a sair pela rua desacompanhada poderia levar pedradas sem maiores motivos. Era essa a selvageria que rondava aquele lugar. Havia leis que as protegiam também, é claro, como por exemplo, cada vez que o homem quisesse ter relações sexuais com sua esposa, era garantido por lei que ele obtivesse o prazer imediato atendido pela sua “parceira”. Leis são feitas para serem cumpridas e as que não assim fizessem poderiam sofrer duras repreensões.
- Agora imagine o que aconteceu com aquela garota...
- O que houve?                  
- Foi acusada e culpada.
- Ah, mas isso estava claro
- E suponho que você já adivinhou a pena. Certo?
- Foi punida, sei lá, na cadeia...
- Hahaha
- Não?
- Pelo crime que cometeu, e por sinal não foi comprovado, foi julgada com 50 chibatadas ao ar livre ao meio dia.
- Nossa! Mas então, quer dizer que depois ela foi solta?
 - Sim. Foi solta para alguns dias depois ser posta na forca.
- Você disse: “Na Forca”?
- Sim, o que você esperava? A cadeia? Você é republicano... Estou certo?
- Não é questão de política, mas sim uma questão humana! Você não acha isso um absurdo?
-Talvez
- Como assim talvez?
- Se isso tivesse acontecido na época da idade média, não me surpreenderia. Mas como em 2009 as pessoas tornaram a suplantar seus desejos mais desumanos outra vez, talvez seja essa  uma brutalidade ou um presságio do que virá.
- Cada vez mais as pessoas me assustam.
- Cada vez mais as pessoas fazem perder em mim a minha própria humanidade.

http://noticias.terra.com.br/mundo/interna/0,,OI3713859-EI308,00-Pressao+internacional+adia+enforcamento+de+condenada+no+Ira.html



Última entrada no word: 12/17/2014. 18:20.

Ilhas

Nos tornamos ilhas de nós mesmos.
Essa tecnologia nos deu uma falsa perspectiva de estarmos conectados globalmente. Equívoco alimentado pela publicização da imagem pois percebemos que não precisamos mais sair de casa para ver as pessoas.
Elas simplesmente surgem em nossas mãos.
Se o ser Supremo é Único, então, provavelmente, ele é muito solitário. Do mesmo modo aquele que acredita que a experiência do mundo está nas Palmas de suas mãos, provavelmente ele também é muito solitário.
Saímos de uma natureza conectada com as Sensações da natureza, humana inclusive, e fomos para a adoração do corpo e, então, para adoração do Virtual. Preenchendo e esvaziando a existência com significações.
A música esconde sua beleza complexa. Não mais no controle ordenado dos sentidos dos sons mas sim na habilidade de permitir a subjetivação dos silêncios. Será que não precisamos aprender a nos reconhecer nesse mundo novo, para preenchermos outra vez o mundo com significações que nos guiem para um novo esvaziamento?

Sodoma e Gomorra

Um escritor escreve. Assim como um assassino assassina. Às vezes frio. Às vezes morno. 
Algumas vezes quente. Ou louco.
Um escritor escreve com arma de fogo. 
E mata apenas a si mesmo.
Mata o instante. 
O invisível.

O poeta sente a dor da morte. A dor da dor. A dor do tempo.
O odor da vida, e dos sentimentos. 
E as mulheres dançam nos seus sonhos.

Mas as lágrimas, que às vezes querem passar pelos olhos, estão presas.
Cárcere privado. Do poeta.
Se pudessem sair, revelariam as barbáries, e torturas que elas sofrem lá dentro.
E o poeta administrativo nunca a deixa sair.

Aquele peso escondido sob sua pele, sob seus ombros, abate a letra. A escrita.
E mesmo assim. Mesmo com essa pobreza de espírito. Esse podre homem é rei.
Rei sob seu domínio. Escárnio subversivo. A coroa de ossos é dada ao cego.
Que vela sua alma na vala. Nos muros criados ao seu redor. 
“Sodoma e Gomorra” é seu poema.

In media Res


Porto Alegre. Vigésimo primeiro dia do mês de Novembro. 1985. 15 horas e 27 minutos.  32 Graus.

                A cidade esta muito agitada, mas age como se nada estivesse acontecendo. Os trilhos do trem fazem as estruturas edifico tremer. O cheiro de combustível queimando no ar pelos automóveis e fabricas, é levado para dentro do apartamento com a força do vento que atravessa as cortinas e invade a sala como um intruso. A sala não é confortável. O ventilador esta quebrado. A Geladeira também (não há nada lá). Muitas pessoas no local. Calor.

Porto Alegre. Vigésimo dia do mês de Novembro. 1985. 11 horas e 23 minutos. 26 Graus.

                Fernanda como sempre, após almoçar naquele mesmo restaurante, que é localizado abaixo do seu prédio e na mesma hora como de costume. variando apenas no cardápio, voltara sua atenção ao noticiário da TV para saber a previsão do tempo. Já ele, não se importa com as informações que passam. Observa Fernanda com reprovação por não aceitar que se preocupe tanto com a previsão do tempo. Sua verdadeira indignação é por nunca concordar, no seu ponto de vista, que Fernanda viva, infalivelmente, controlando de tudo que é relativo àquilo que, ironicamente, não se pode controlar. O tempo.

Porto Alegre. Vigésimo dia do mês de Novembro. 1985. 21 horas e 12 minutos. 16 Graus. Atrito.

                A discussão acontece após Fernanda reclamar que ele é desleixado e perde muito tempo à toa. Falam em voz alta. Ele já esta cansado das mesmas ofensas e dessa vez resolve desabafar. Ela nunca havia percebido que estava em uma cela mental que cronometrava cada ato de sua vida. Inflexível, sem perda de tempo, começo e fim pré-estabelecidos por um tempo exato. Acabou de ver em si que não estava fazendo bem para ela e não tinha importância nenhuma saber quanto tempo levava para tomar banho, se haveria neblina ou cerração, cinco minutos para escovar os dentes, três minutos para os sapatos, doze para o cabelo ou dez segundos para acordar. Cada um deu seu argumento. Os vizinhos escutavam atentos com o copo na parede.  Ele jura que faria algo com relação a isso. Ela vai para o quarto dizendo estar sem tempo para discussão. No outro dia. Todos fazem as mesmas coisas. Ou não.

Porto Alegre. Vigésimo primeiro dia do mês de Novembro. 1985. 15 horas e 03 minutos. 30 Graus.

                O telefone do escritório de contabilidade toca. Fernanda está. A polícia pede para que ela compareça no seu apartamento. Um cadáver precisa da sua identificação. Em pânico, pegou um táxi, opala, duas portas. A placa FTA8493, cor cáqui. A quarenta minutos do local.

Porto Alegre. Dia. Mês. Ano. Hora. 32 Graus.

A luz do sul reveza com os flashes das câmeras a iluminação da sala. O cheiro do combustível agora invade o apartamento e colide nos uniformes suados pelo calor. Que por sua vez entoa o aroma do sangue na madeira. Ao canto, o sofá velho e ao lado a arma do crime. Ela chegou e ficou sem ar. O coração pulsava na altura da garganta quando viu ele e o que acabara de fazer com um martelo. Cumpriu com sua promessa. O relógio estava esquartejado e sem vida. Foi preso em flagrante matando tempo.

Identidade três por quatro

No caderno de poesias

Brigam
Tristezas e Alegrias,
Em rimas amigáveis.

Nos rabiscos maleáveis,
Entre a dor e amargura
Se juntam antagonias
Que somente o tempo cura.

O poeta soña-las-ia:
Pedra mole e água dura
Todas
Inseparáveis.

Humanidade

A humanidade é o cigarro que fumo. Ambos me fazem mal.

Poeira

.
       .
            .

Pela lente, observo o passo.
        [O moço passa...]


                                        ...

E o descompasso, do moço.
        [Inerme, o tempo]

                ...

Retratos, do passado.
        [A todo o momento]


...


            ....


                            ...



Tem

 ... golfinhos no espaço :/