Porto Alegre. Vigésimo
primeiro dia do mês de Novembro. 1985. 15 horas e 27 minutos. 32 Graus.
A cidade
está muito agitada, mas age como se nada estivesse acontecendo. Os trilhos do
trem fazem as estruturas do edifício tremer. O cheiro de combustível queimando
no ar pelos automóveis e fabricas, é levado para dentro do apartamento com a
força do vento que atravessa as cortinas e invade a sala como um intruso. A
sala não é confortável. O ventilador esta quebrado. A Geladeira também (não há
nada lá). Muitas pessoas no local. Calor.
Porto Alegre. Vigésimo
dia do mês de Novembro. 1985. 11 horas e 23 minutos. 26 Graus.
Fernanda
como sempre, após almoçar naquele mesmo restaurante, que é localizado abaixo do
seu prédio e na mesma hora como de costume, variando apenas no cardápio, voltara
sua atenção ao noticiário da TV para saber a previsão do tempo. Já ele, não se
importa com as informações que passam. Observa Fernanda com reprovação por não
aceitar que se preocupe tanto com a previsão do tempo. Sua verdadeira
indignação é por nunca concordar, no seu ponto de vista, que Fernanda viva,
infalivelmente, controlando de tudo que é relativo àquilo que, ironicamente,
não se pode controlar. O tempo.
Porto Alegre. Vigésimo
dia do mês de Novembro. 1985. 21 horas e 12 minutos. 18 Graus. Atrito.
A
discussão acontece após Fernanda reclamar que ele é desleixado e perde muito
tempo à toa. Falam em voz alta. Ele já esta cansado das mesmas ofensas e dessa
vez resolve desabafar. Ela nunca havia percebido que estava em uma cela mental
que cronometrava cada ato de sua vida. Inflexível, sem perda de tempo, começo e
fim pré-estabelecidos por um tempo exato. Acabou de ver em si que não estava
fazendo bem para ela e não tinha importância nenhuma saber quanto tempo levava
para tomar banho, se haveria neblina ou cerração, cinco minutos para escovar os
dentes, três minutos para os sapatos, doze para o cabelo ou dez segundos para
acordar. Cada um deu seu argumento. Os visinhos escutavam atentos com o copo na
parede. Ele jura que faria algo com
relação a isso. Ela vai para o quarto dizendo estar sem tempo para discussão.
No outro dia todos fazem as mesmas coisas. Ou não.
Porto Alegre. Vigésimo
primeiro dia do mês de Novembro. 1985. 15 horas e 03 minutos. 31 Graus.
O telefone
do escritório de contabilidade toca. Fernanda está. A polícia pede para que ela
compareça no seu apartamento. Um cadáver precisa da sua identificação. Em
pânico, pegou um táxi, opala, duas portas. A
placa FTA8493, cor cáqui. A vinte e quatro minutos do
local.
Porto Alegre. Dia. Mês.
Ano. Hora. 32 Graus.
A luz do sol reveza com os flashes das câmeras
a iluminação da sala. O cheiro do combustível agora invade o apartamento e
colide nos uniformes suados pelo calor. Que por sua vez entoa o aroma do sangue
na madeira. Ao canto está o sofá velho e, ao lado, a arma do crime. Ela chegou
e ficou sem ar. O coração pulsava na altura da garganta quando viu ele e o que
acabara de fazer com um martelo. Cumpriu com sua promessa. O relógio estava
esquartejado e sem vida.
Foi preso em flagrante matando tempo.
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